sexta-feira, 29 de agosto de 2014

jogo(s)

«Os dias são piores do que as noites. Os jogos da noite são melhores do que os do dia. À noite, ele pode tornar-se invisível e chegar com maior velocidade, passando por cima dos telhados, aos sítios onde a sua presença é necessária. De dia, não se é invisível. De dia, tudo decorre mais devagar. De dia, os jogos não têm os mesmos atractivos.»

Jogos da Noite, Stig Dagerman








La Règle du Jeu, J. Renoir

domingo, 10 de agosto de 2014

não ser, para existir

entre o perto e o longe. entre o olá e adeus. entre o agora e o nunca. entre ganhar e perder. entre o doce e o amargo. entre acordar e adormecer. entre o sim e o não. entre o beijo e o abraço. entre partir e voltar. entre a luz e a escuridão. entre recordar e esquecer. entre a ficção e a realidade. entre o tudo e o nada.

despi o ser e deixei-o pendurado no armário do limbo. o cabide está velho.


Prix de Beauté, A. Genina


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Temptation






https://www.youtube.com/watch?v=7p1qQjWIa60


terça-feira, 5 de agosto de 2014

apetecia-me escrever sobre um filme

apetecia-me escrever sobre um filme. fui ao visionamento do Jimmy’s Hall com a esperança colada aos pés, como palmilhas energéticas que alentam um acordar-cedo-para-algo-novo-a-acontecer. eu sabia que o Loach não sairia muito do seu “caldinho” habitual, dessa coerência um pouco enfadonha, dessas duas ou três estrelinhas mastigadas. é pena, porque eu queria mesmo escrever sobre um filme, pensar sobre ele, descobri-lhe as verdades ocultas ou as falsidades descaradas. perdi a vontade, ou melhor, adormeci nessa vontade, tal foi o aborrecimento. ainda assim, e porque gosto de encontrar sempre um feixe de luz (quando é possível) nas coisas mornas, este é o momento mais apreciável do filme: dois corpos moldados pelo tempo – o tempo da ausência -, dois olhares que se querem, no compasso de uma última dança no salão vazio. um adeus sussurrado e testemunhado pelas cadeiras arrumadas.



sexta-feira, 1 de agosto de 2014

a arte de descrever uma mulher

«Sentavas-te, silenciosa, entre os velhos, rodeada de madeiras escuras, e, inclinada para a frente, oferecendo apenas a tua cabeleira ao círculo dourado dos candeeiros, reinavas, coroada de luz. Parecias-nos eterna por estares tão bem ligada às coisas, tão segura das coisas, dos teus pensamentos, do teu futuro. Reinavas...
 Contudo, nós queríamos saber se era possível fazer-te sofrer. Estreitar-te nos braços até te sufocar, porque sentíamos em ti uma presença humana que ansiávamos trazer à luz do dia. Uma ternura, uma tristeza que queríamos fazer-te subir aos olhos. E Bernis abraçava-te e tu coravas. E Bernis apertava-te com mais força e os teus  olhos ficavam brilhantes de lágrimas sem que os teus lábios se deformassem, como os das velhas quando choram, e Bernis dizia-me que aquelas lágrimas vinham de um coração a transbordar, e que eram mais preciosas do que diamantes, e que aquele que as bebesse seria imortal. Dizia-me também que habitavas o teu corpo, como aquela fada sob as águas, e que ele sabia mil sortilégios para te trazer à superfície, e que o mais seguro era fazer-te chorar. Era assim que te roubávamos amor. Mas quando te largávamos tu rias, e esse riso enchia-nos de confusão. Assim uma ave, se a apertamos com menos força, voa para longe. 
(...)
"Lê-nos um poema."
 Tu lias e, para nós, eram ensinamentos sobre o mundo, que não nos vinham do poeta, mas sim da tua sabedoria. E os infortúnios dos amantes e os choros das rainhas tornavam-se grandes coisas tranquilas. Morria-se de amor com tanta calma, na tua voz...»


Correio do Sul, Antoine de Saint-Exupéry



(Charulata, Satyajit Ray)