domingo, 30 de dezembro de 2012

Para fazer o retrato de um pássaro

Pinta primeiro uma gaiola
com a porta aberta
pinta a seguir
qualquer coisa bonita
qualquer coisa simples
qualquer coisa bela
qualquer coisa útil
para o pássaro.
Agora encosta a tela a uma árvore
num jardim
num bosque
ou até numa floresta.
Esconde-te atrás da árvore
sem dizeres nada
sem te mexeres…
Às vezes o pássaro não demora
mas pode também levar anos
antes que se decida.
Não deves desanimar
espera
espera anos se for preciso
a rapidez ou a lentidão da chegada
do pássaro não tem qualquer relação
com o acabamento do quadro.
Quando o pássaro chegar
se chegar
mergulha no mais fundo silêncio
espera que o pássaro entre na gaiola
e quando tiver entrado
fecha a porta devagarinho
com o pincel.
Depois
apaga uma a uma todas as grades
com cuidado não vás tocar nalguma das penas
Faz a seguir o retrato da árvore
escolhendo o mais belo dos ramos
para o pássaro
pinta também o verde da folhagem a frescura do vento
e agora espera que o pássaro se decida a cantar.
Se o pássaro não cantar
é mau sinal
é sinal que o quadro não presta
mas se cantar é bom sinal
sinal de que podes assinar.
Então arranca com muito cuidado
uma das penas do pássaro
e escreve o teu nome num canto do quadro.

(tradução de Eugénio de Andrade do original “Pour faire le portrait d’un oiseau” de Jacques Prévert)



que o pássaro de cada um de nós cante no novo ano, para que possamos assinar, no quadro da nossa vida, a autoria da felicidade.

domingo, 23 de dezembro de 2012

feliz natal

continuo, na boa tradição de Charles Dickens, a gostar do Natal. faço de conta que lá fora há neve, para parecerem mais verídicas as minhas memórias de infância dos natais que vivi pelos livros, ou mesmo os que me deram os filmes. o meu Natal verdadeiro é sempre bom, especial, mas não posso esquecer a origem do espírito dessa época em mim.
 
 
Christmas in Connecticut (1945)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

o pavio até ao fim


Acabou.
Acendo outra vela
Deixo o pavio arder até ao fim.
Acabou.
Acendo outra vela
Deixo o pavio a arder até ao fim.
Renovo a chama que simula a tua presença
Gosto de te sentir na madrugada do quarto
A olhar comigo o livro que tenho nas mãos
Esse a que dás clareza
Com a vibração luzente da flama.
Vejo que o pavio está quase no fim
Vou buscar outra vela.
Não te apagues antes de substituir
O escuro faz medo.
(Estás aqui não estás?)
Vem depressa iluminar-me
À distância do meu gesto de acender a próxima vela.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

laço


pus um laço no cabelo para ter mais confiança ao ler-te a fantasia dos contos. o laço amarra o cabelo, para se descortinar na minha cara o sorriso embrionário das palavras.
ainda estás a escutar?
dorme, bebé.
amanhã finjo outra vez que sou princesa, para te embalar com histórias de encantar.

domingo, 9 de dezembro de 2012

pedir um desejo


ela agitava o globo de neve como se agitasse o mundo, para libertar o pó dos sonhos.
(os sonhos mágicos)