sexta-feira, 27 de junho de 2014

chamamento

«Quando Pina, em Roma, Cidade Aberta, escapa de uma fileira de soldados, que a deviam ter detido, para se lançar atrás do camião que transporta o seu noivo, numa corrida que começa à maneira do movimento burlesco, para terminar numa queda mortal, esse movimento excede, ao mesmo tempo, o visível da situação narrativa e a expressão do amor. (...) É uma dramaturgia do chamamento, transferida do plano religioso para o plano artístico, que ordena às personagens rossellinianas que passem de um modo de movimento e gravitação para outro, segundo o qual só poderão precipitar-se em queda livre.»


A Fábula Cinematográfica, Jacques Rancière





terça-feira, 24 de junho de 2014

corps

 Tout a été écrit par toi, par ce corps que tu as.
 Je vais arrêter là ce text pour en prendre un autre
de toi, fait pour toi, fait à ta place.

[Silence, et puis.]


C'est tout, M. Duras




Lady Chatterley, Pascal Ferran

segunda-feira, 16 de junho de 2014

gentil angústia

não somos nós que escrevemos, é o nosso ânimo que, tirando os dedos da inércia, escreve - quando a escrita é um acto de liberdade. escrevo espontaneamente através de sensações (geralmente extremas): ou quando sou muito feliz ou quando preciso de procurar a razão para um estado de tristeza, definir a palpabilidade da dor, e assim proteger/defender-me dela. é uma atitude feminina, que alguns bons homens também têm. dela nasceram grandes escritos e escritores, por isso, não é banal, faz parte do artifício (de arte) humano. mas eu não tenho arte, e uso-me de ferramentas toscas: do geral para o concreto, faço um inventário de possibilidades e, relativizando, nego a todas o protagonismo. no fim, ‘está tudo bem’, digo, ‘olha ali o sol’, e tento fazer uma cama para dormir sobre o assunto. mas algo insiste em permanecer colado à pele  (além deste calor abrasador), como aquela Angústia que traduz para português La Peau Douce, ou a «gentil angústia» de que um crítico de cinema falava, há não muito tempo, a propósito dos filmes de Bergman. o cinema leva-nos sempre ao encontro da linguagem da pele. nele descubro as minhas respostas, e algum conforto no peito. esta é a cama onde me deito.


[maldito espelho da casa de banho, que não me deixa lavar as mãos sem de seguida examinar a profundidade das olheiras.] 



La Peau Douce, François Truffaut

terça-feira, 3 de junho de 2014

I smile and I sing all alone

«This is my delight, thus to wait and watch at the wayside where shadow chases light and the rain comes in the wake of the summer.

Messengers, with tidings from unknown skies, greet me and speed along the road. My heart is glad within, and the breath of the passing breeze is sweet.

From dawn till dusk I sit here before my door, and I know that of a sudden the happy moment will arrive when I shall see.

In the meanwhile I smile and I sing all alone. In the meanwhile the air is filling with the perfume of promise.»


Gitanjali, Rabindranath Tagore


Le Petit Soldat, JLGodard