sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

a kind of magic



não queria deixar de respirar 2010 sem lhe destinar derradeiras palavras antes de este se esfumar no éter do seu prazo de validade. ou melhor, ia quase acontecendo que não o fizesse, mas houve alguém que me relembrou que temos que ser gratos ao Tempo. é ele que nos faz. é ele que nos acrescenta mais alegrias à vida, para desfrutarmos dela, e que nos dá também sofrimento para nos lembrarmos que existimos na nossa pele; para sairmos mais fortes e enfrentar o mundo. tenho, de facto, muito a reconhecer do seu "olhar por mim".
muitas foram as manhãs em que acordei e fiz o que me dá mais prazer: ir com a chávena de café quentinho entre as mãos para a janela ver o movimento: pensei a cidade.
muitas foram as vezes em que adormeci sozinha numa cama fria e acordei no silêncio do quarto assaltado pelo murmúrio da rua: senti a ausência.
muitas as vezes em que me sentei num auditório e procurei equilibrar as conversas laterais com a atenção devida ao mestre: senti o riso docemente sufocado.
muitas as vezes em que chorei por reconhecer a minha felicidade: senti pura gratidão.
muitas as vezes em que não fui mais longe por causa do fantasma do medo: senti frustração.
muitas as vezes em que cheguei a casa (a verdadeira casa) e tive a carícia consoladora de todos os cansaços acumulados: senti alívio.
muitas as vezes em que deambulei pelas ruas, observei o mais ínfimo pormenor da calçada, respirei Lisboa: pensei na vida.
muitas as vezes em que não disse tudo o que queria, em que cortei nas palavras para não incomodar ninguém com a verdade: senti-me cobarde.
muitas as vezes em que abracei e dei tudo de mim nesse abraço: senti a amizade.
muitas as vezes em que duas palavras bastaram para largar a preguiça dos lábios e fazer a ginástica do sorriso: fui apenas eu.


(...)


tudo o que peço ao novo ar que vou respirar - 2011: "a kind of magic, one dream, one soul, one prize, one goal, one golden glance of what should be...". são estes os ingredientes básicos aos quais o amor (sob todas as suas formas) se deve juntar.
o resultado só pode ser uma explosão de felicidade.

a todos os meus, e também aos que são menos "meus", um ano explosivo de felicidade. é o meu desejo.

sábado, 25 de dezembro de 2010

suspensão


deixo cair as pálpebras sobre os olhos vidrados. sinto o existir confortável das coisas. nada me incomoda, nada me faz mover a cortina de pele que ornamenta a janela da minha casa interior. fechei-a por um momento. preciso de limpar o pó acumulado ao canto das ideias.
penso e dou um espirro.

quero que assaltes a minha casa. não arrombes a porta. força a janela e entra. tenho frio. as mantas estão ali e não lhes chego. não é preguiça, é vontade de substituí-las.

não te esqueças de mim. não te esqueças que aguardo.
por enquanto estou aqui, conscientemente adormecida.


quando chegares beija-me os olhos.
a janela abrir-se-á como que por magia.

sábado, 11 de dezembro de 2010

déjeuner du matin


Il a mis le café
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec le petit cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a resposé la tasse
Sans me parler
Il a alumé
Une cigarrette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis des cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s’est levé
Il a mis
Son chapeau sur la tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu’il pleuvait
Il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Sans me regarder
Et moi j’ai pris
Ma tête dans ma main

Et j’ai pleuré.


Jacques Prévert

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

dança


tenho tanto ritmo no tambor cardíaco que acho que estou prestes a apagar-me, restam-me poucos minutos. estou a rebentar de instintos musicais. calcei os saltos altos para chegar à prateleira onde guardo as cartas que te escrevo em silêncio e anonimato. vesti a mini saia que mais gostas para imaginar que danço para ti. o meu corpo continua agitado pelo rufar deste tambor doce e infernal. não sei se sofro ou se sou feliz. talvez ambas as coisas. sou tão feliz que até dói. é isso afinal. estou tão musical que no lugar das palavras vejo notas de uma pauta que dá à própria leitura a melodia que me embriaga. estou lentamente a rasgar-me. sou uma carta escrita que não quer ser lida. coloco-me, ainda que já rasgada, na prateleira que te encerra.
a música de repente ficou mais alta.
já passaram alguns minutos.
vou tirar a saia.

já me viste dançar.