nunca me interessei
particularmente por plantas/flores, no sentido de lhes proporcionar duração de
vida. é bom receber (ou comprar) ramos de flores e colocá-las numa jarra. elas trazem
vida aos móveis secos de solidão e animam os livros arrumados porque,
respirando no mesmo espaço, libertam o pó das histórias abandonadas. muda-se
duas, se se tiver sorte, três vezes a água, e ao fim de alguns dias já estão no
caixote do lixo, junto dos restos de comida. é injusto; depois de colocarem um
aroma no ar, oferecerem a sua vida e a sua cor a uns quantos metros quadrados,
são deitadas fora como ossos de frango, no fim de uma refeição. nada a fazer,
ainda assim, que se ofereça um chavão: c’est
la vie. esta semana recebi uma orquídea, uma planta com raízes, num pequeno
vaso, e dentro de uma espécie de tubo de ensaio gigante. quem ma ofertou
conhecia muito bem a minha vontade de olhar mais vezes para essa flor estranhamente
bela. tê-la junto de mim resolveria esse desejo contínuo. até aqui, como dizia
no início, nunca senti nenhum interesse expressivo por plantas, a não ser
aquelas que foram já protagonistas da literatura, recordo-me, por exemplo, d’A
Túlipa Negra, do Dumas pai, ou de outro livro, A Dama das Camélias, do filho (não,
não vou discorrer aqui sobre o tópico 'as flores na literatura'). mas, dizia eu,
as plantas nunca me despertaram qualquer vocação e, no entanto, hoje dei comigo
a pesquisar e a ler sobre “como cuidar orquídeas”. caiu o carmo e a trindade!
(que ficou incompleta ali atrás, só com o pai e o filho Dumas). já sei tudo sobre a
rega adequada, a exposição ao sol, a temperatura ambiente... ela é tão delicada
que só poderia estar assim como está, protegida num autêntico tubo de ensaio
gigante. vou fazer os possíveis por lhe dar uma vida longa, e acho que quando
ela «deixar de existir», como uma Madame Bovary («Elle n’existait plus»), vou
regar as suas pétalas secas com uma pequena lágrima de adeus.
sinto-me romântica
por ter uma orquídea no quarto.
(Wild Orchids)