sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

a kind of magic



não queria deixar de respirar 2010 sem lhe destinar derradeiras palavras antes de este se esfumar no éter do seu prazo de validade. ou melhor, ia quase acontecendo que não o fizesse, mas houve alguém que me relembrou que temos que ser gratos ao Tempo. é ele que nos faz. é ele que nos acrescenta mais alegrias à vida, para desfrutarmos dela, e que nos dá também sofrimento para nos lembrarmos que existimos na nossa pele; para sairmos mais fortes e enfrentar o mundo. tenho, de facto, muito a reconhecer do seu "olhar por mim".
muitas foram as manhãs em que acordei e fiz o que me dá mais prazer: ir com a chávena de café quentinho entre as mãos para a janela ver o movimento: pensei a cidade.
muitas foram as vezes em que adormeci sozinha numa cama fria e acordei no silêncio do quarto assaltado pelo murmúrio da rua: senti a ausência.
muitas as vezes em que me sentei num auditório e procurei equilibrar as conversas laterais com a atenção devida ao mestre: senti o riso docemente sufocado.
muitas as vezes em que chorei por reconhecer a minha felicidade: senti pura gratidão.
muitas as vezes em que não fui mais longe por causa do fantasma do medo: senti frustração.
muitas as vezes em que cheguei a casa (a verdadeira casa) e tive a carícia consoladora de todos os cansaços acumulados: senti alívio.
muitas as vezes em que deambulei pelas ruas, observei o mais ínfimo pormenor da calçada, respirei Lisboa: pensei na vida.
muitas as vezes em que não disse tudo o que queria, em que cortei nas palavras para não incomodar ninguém com a verdade: senti-me cobarde.
muitas as vezes em que abracei e dei tudo de mim nesse abraço: senti a amizade.
muitas as vezes em que duas palavras bastaram para largar a preguiça dos lábios e fazer a ginástica do sorriso: fui apenas eu.


(...)


tudo o que peço ao novo ar que vou respirar - 2011: "a kind of magic, one dream, one soul, one prize, one goal, one golden glance of what should be...". são estes os ingredientes básicos aos quais o amor (sob todas as suas formas) se deve juntar.
o resultado só pode ser uma explosão de felicidade.

a todos os meus, e também aos que são menos "meus", um ano explosivo de felicidade. é o meu desejo.

sábado, 25 de dezembro de 2010

suspensão


deixo cair as pálpebras sobre os olhos vidrados. sinto o existir confortável das coisas. nada me incomoda, nada me faz mover a cortina de pele que ornamenta a janela da minha casa interior. fechei-a por um momento. preciso de limpar o pó acumulado ao canto das ideias.
penso e dou um espirro.

quero que assaltes a minha casa. não arrombes a porta. força a janela e entra. tenho frio. as mantas estão ali e não lhes chego. não é preguiça, é vontade de substituí-las.

não te esqueças de mim. não te esqueças que aguardo.
por enquanto estou aqui, conscientemente adormecida.


quando chegares beija-me os olhos.
a janela abrir-se-á como que por magia.

sábado, 11 de dezembro de 2010

déjeuner du matin


Il a mis le café
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec le petit cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a resposé la tasse
Sans me parler
Il a alumé
Une cigarrette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis des cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s’est levé
Il a mis
Son chapeau sur la tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu’il pleuvait
Il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Sans me regarder
Et moi j’ai pris
Ma tête dans ma main

Et j’ai pleuré.


Jacques Prévert

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

dança


tenho tanto ritmo no tambor cardíaco que acho que estou prestes a apagar-me, restam-me poucos minutos. estou a rebentar de instintos musicais. calcei os saltos altos para chegar à prateleira onde guardo as cartas que te escrevo em silêncio e anonimato. vesti a mini saia que mais gostas para imaginar que danço para ti. o meu corpo continua agitado pelo rufar deste tambor doce e infernal. não sei se sofro ou se sou feliz. talvez ambas as coisas. sou tão feliz que até dói. é isso afinal. estou tão musical que no lugar das palavras vejo notas de uma pauta que dá à própria leitura a melodia que me embriaga. estou lentamente a rasgar-me. sou uma carta escrita que não quer ser lida. coloco-me, ainda que já rasgada, na prateleira que te encerra.
a música de repente ficou mais alta.
já passaram alguns minutos.
vou tirar a saia.

já me viste dançar.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

a Lua está sempre ali


quero beber contigo o cálice do amor e construir estradas novas para as nossas viagens nocturnas. só a Lua nos vigia. as estrelas são velas acesas pela chama da nossa faísca, o negro do céu o manto que nos envolve no amplexo do silêncio das palavras. descemos os dois às trevas do coração e descobrimos os nossos Vales Encantados. debaixo da pele somos feitos da matéria do Sonhos. do meu vale colho uma flor para ti; do teu dás-me o Arco-Íris.


No colo da Ilusão imaginei tudo isto.
Não cabe na Realidade.


é mentira demais.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

moi et mon coeur


vou viajar à procura de mim. não pertenço aqui. não pertenço ao vento que me abraça. não pertenço ao chão que me sustém. não pertenço às paredes que me vigiam. não pertenço às memórias que me prendem.
sou uma alma sem abrigo, uma vontade constante de mudança. sou um sopro das minhas próprias ideias.

entrei no comboio. levo comigo a polaroid, a testemunha do meu auto-encontro.

a viagem começou.
já sinto a radiografia à caverna do meu coração.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Clem, you're not ugly


tenho borboletas na barriga, dizia eu quando aguardava ansiosamente a Hora do Conto. aquelas borboletas eram o meu desejo, o meu desejo dotado de asas leves, belas e puras. o Conto era o Vale Encantado onde voava sem regras ou limites, um livre trânsito que dava espaço à elegância do vento da imaginação. a cada história que escutei fui feliz por não ser eu, ou melhor, por ser o que queria.
hoje ainda sinto as borboletas na barriga. mas as suas asas já não carregam a minha alma no seu voo. são borboletas pouco devotas ao desejo e servas de uma majestade: a realidade.

incomodam-me.


tenho borboletas na barriga. quero o colo das palavras. tell me a sweet dreams story. just for tonight.

just for tonight.



sexta-feira, 5 de novembro de 2010

algures na mente


alguém me perguntou hoje com o que é que sonhei. a resposta a esta invasão ao meu inconsciente emerge nas próximas palavras:


um imenso campo de searas verdes (verdes até ao esgotamento da retina) expande-se em todos os ângulos dos meu olhar. ao fundo, bem ao fundo, identifico uma silhueta humana, que dada a incalculável distância não consigo dar um nome. é apenas um ser imóvel.

nós sentimos (com o coração) nos sonhos? eu tive a impressão que sim. . .

entretanto, um mocho passa num voo imperativo e fixa aquele olhar perturbador sobre mim.
corro.
corro até perder o ar que me resta.
(...)

não me consigo lembrar do final, por mais voltas que dê. como sempre, os sonhos são claros para a alma, mas indecifráveis à compreensão.

tomem a liberdade de interpretar este sonho. nenhuma interpretação será a correcta, mas ao menos brinca-se um pouco com as peças soltas do inconsciente.

terça-feira, 19 de outubro de 2010


procura-me na Terra do Nunca. a minha mente estacionou lá o pensamento e não tem gasolina para voltar.
não tragas gasolina.
estaciona ao meu lado.

sábado, 25 de setembro de 2010

aquilo


o cinema:
o abraço sedutor da escuridão.
a imagem:
o licor que embriaga o olhar.
a ideia:
o beijo no intelecto.
a história:
a porta fechada que sugere.
o protagonista:
a pele indolor.
o sonho:
o roçagar do vestido comprido da ilusão.
a viagem:
o banco que fica temporariamente vazio.
o sentimento:
o botão de rosa que desabrocha e oferece a sua essência.
o fim.
a verdade com os lábios pintados.

domingo, 12 de setembro de 2010

tout ce qui reste


quand je suis en colère je parle en français. je suis en colère. mon coeur pleure un amour de bits. mon esprit ramasse les morceaux et reconstruit le vase. j'ai un vase vide. je veux des fleurs qui sentent comme la passion. le chasteté de l’amour me gêne.

mais de toute façon, qu'est-ce que je sais à ce sujet?

j'aime les histoires et ils sont les seuls que l'on aime vraiment. tout le reste sont des passions qui laissent l'odeur dans l'air.


vou ler e devorar os dramas da ficção.

sábado, 4 de setembro de 2010

'we'll always have paris'


a cama está feita.
o cheiro a lençóis lavados é irresistivel.
uma música conhecida anuncia algo na TV... Casablanca.


o feliz acaso beijou a minha solidão.


tão bem que sabe o escuro do meu quarto.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

anda por aí uma borboleta chamada certeza.


como é fugaz a nossa certeza das coisas. eu não percebo, aliás, como chegamos a ter certezas. apanhamos a certeza como quem apanha uma borboleta e a guarda religiosamente entre as mãos côncavas. ela faz-nos cócegas com as asas, mas não a soltamos porque queremos guardá-la para nós. temos a certeza nas mãos. ela sossega as suas asas e pousa na mão que é a base. a mão que está por cima é levantada cuidadosamente, como um concha que se abre... a certeza continua lá: bela e serena, quase com um vislumbre de eternidade. num repente, a certeza voa.




vejo-a lá ao fundo, sendo apanhada por outras mãos ávidas de...






(fotografia: Sommarlek, Bergman)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

finjo que leio o jornal


pintei, com os olhos, uma andorinha no céu, uma nuvem branquinha e fofinha, e um avião longínquo a desenhar um coração com o seu rasto; na calçada, uma pastilha fresca, acabada de saltar da boca à força de um cuspo, uns sapatos cor-de-rosa choque, um livro caído de umas "mãos rotas", e uma moeda resvalada de um bolso descuidado. pintei ainda, no ar, uma borboleta para ornamentar o meu estado vegetal à procura do preenchimento do pequeno mundo onde existo no aqui e agora. sou um mármore que imagina e reproduz no vazio toda a força de um pensamento que vive debaixo da pedra. finjo que leio o jornal.


o céu hoje está demasiado limpo.
a calçada demasiado monótona.
o ar respirável demais.
é o tédio que passeia pela rua. lá vai ele emproado e vaporoso...


desci à realidade.

please, bring me flowers. bring me a new day.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

praia


fala-me daquela nuvem.
fala-me do voo daquela gaivota.
fala-me da onda que rebentou agora e que deixou a areia fazê-la em espuma.
fala-me do barco lá ao fundo da linha do mar.
fala-me do sol que nos beija a pele.
fala-me do meu biquini. gostas?
fala-me do castelo que estou a construir.
fala-me dos meus olhos franzidos sem os óculos de sol.
fala-me do gelado que está a derreter na tua mão.
fala-me do abraço salgado que te quero dar...


(nestas palavras fui à praia e voltei.
é da maneira que lá pus o "pés".)
Fotografia do filme "Climas"

terça-feira, 3 de agosto de 2010

sacralidade estética


A estética é tão volátil, indefinível, relativa e, por isso, tão desconcertante. Oscar Wilde mostrou sublimemente n'O Retrato de Dorian Gray como o conceito de Arte pode prescrever a nossa existência. Subsistem na consciência humana inúmeras formas de retratar a vida. A tela não parece estar completa até que aquilo que idealizámos esteja perfeita e harmoniosamente posicionado nesse espaço concedido. Quem diz uma tela, diz um palco igualmente. Esta é a urgência de uma arte que serve o próprio hedonismo estético: só morrerei na consciência de uma morte tragicamente bela, em que a minha mão decai sobre a maçã do meu rosto numa auto-carícia... Este é um exemplo de "obra de arte".
A Beleza é genial, já dizia o mesmo autor. No seu esteticismo revestido de uma sensibilidade singular soube identificar a mística ontologia da Beleza, encarnou-a numa tirana que parece levar a morte às almas mais puras. Dorian Gray morreu pelo veneno da sua própria beleza. O hedonismo extremo tomou posse das suas acções que se impulsionaram para o imediatismo do princípio estético. O medo da efemeridade da sua juventude ocupou toda a sua moral, ditou as leis da perseguição a si próprio.
Muitas e muitas versões se podem fazer deste pensamento tão profundo de Oscar Wilde. ele é imortal e não pertence a uma época. É nosso. Tão simplesmente nosso - do Ser Humano.


«a Beleza é uma forma de Génio - na verdade está acima do Génio, pois não precisa de explicação. É um dos grandes factos do mundo (...) não pode ser posta em dúvida. Tem um direito divino de soberania. Torna príncipes aqueles que a possuem». OW



Sejamos sempre príncipes e princesas da nossa Alma. A beleza reside na própria invisibilidade, procuremos apenas o manto que esconde a tela perfeita da Beleza Humana.

Não se deixem morrer sem ler este livro, a sua beleza deixou sem explicação qualquer movimento dito saudável das minhas ideias.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Bright Star


Bright star, would I were stedfast as thou art
Not in lone splendour hung aloft the night
And watching, with eternal lids apart,
Like nature's patient, sleepless Eremite,
The moving waters at their priestlike task
Of pure ablution round earth's human shores,
Or gazing on the new soft-fallen mask
Of snow upon the mountains and the moors
No yet still stedfast, still unchangeable,
Pillow'd upon my fair love's ripening breast,
To feel for ever its soft fall and swell,
Awake for ever in a sweet unrest,
Still, still to hear her tender-taken breath,
And so live ever or else swoon to death.



John Keats

quarta-feira, 21 de julho de 2010

como se costuram os sonhos


entre agulhas, dedáis, carrinhos de linha, bainhas que se fazem e desfazem... há conversas que adocicam o tempo. fala-se de tudo um pouco: os assuntos são como uma manta de retalhos que se vai cosendo com linhas variadas e coloridas. esta manta é como a vida, diversa e pitoresca, não se repete uma linha. existem linhas paralelas, mas não são da mesma cor. eu sou um dos retalhos da manta, sinto a picada da agulha que trespassa o tecido...

AU! piquei-me!


esqueci-me de pôr o dedal.

as conversas não têm fim. a máquina de costura não cessa o seu chilrear. há bainhas para fazer. há palavras sábias para escutar e sonhos a partilhar.
hoje falei de um desejo que tenho. esse desejo coloriu o meu retalho. hoje fui um retalho mais garrido.
um dia o meu desejo vai realizar-se.
o tempo é a melhor costureira.

sábado, 10 de julho de 2010

nós que vivemos


moramos sempre em nós, mas procuramos outra casa.
acendemos sempre a vela, mas o pavio é pequeno e não dura nada.
escrevemos sempre a Carta, mas nunca a chegamos a enviar.
enchemos sempre balões, mas rebentamo-los antes da festa começar.
ouvimos sempre a música que amamos, mas ela nunca é apenas uma música.
colocamos sempre as rosas num jarro alto, mas atiramos com ele ao chão.
buscamos o mesmo nome em todas as pessoas, mas choramos sempre que o ouvimos.
fumamos sempre as boas memórias, mas ressacamos a vida inteira à custa delas.

dói-me a cabeça. hoje quero ficar aqui.


amanhã vou.


domingo, 23 de maio de 2010

e o Pretérito Mais-que-Perfeito?


o pretérito perfeito tem a mania que é o protagonista da minha história. às vezes dou-lhe as luzes da ribalta, ele sente-se o sublime actor que recebe a sua homenagem. patife! (de facto, acho que o merece, mas não me apraz pactuar com isso).
o presente é um miserável que se arrasta à procura de um papel, nem que seja o de menina de recados, encarregue de levar ao futuro a carta que lhe propõe uma presença em cena.
com efeito, o futuro é o figurante que, sendo um inútil voluntário, dá uma certa "cor" ao cenário que é tão pobre como o actor que ciranda no palco, assobiando à falta de sentido que encontra em si mesmo.
não sei qual dos três o melhor, mas concerteza o mais nítido é o primeiro. é o incontestável protagonista.
não sei quem é o encenador desta maldita peça, mas por favor acuse-se e troque os papéis... ou terá de ajustar contas com a "possibilidade de um Deus" que me protege (?)


agora que acabei a minha explanação, digo, à boa maneira brechtiana, que tudo o que escrevi foi pura crítica a todos aqueles que simplesmente não esquecem (idiotas). o leitor que não se iluda, eu não sou verdadeira protagonista de mim mesma.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

est-ce ainsi que les hommes vivent


Tu e eu não fizemos de nós mesmos.
Haverá tempo para tudo dizias
e ao longo deste ano (para dar uma noção de duração),
fizemos de didascálias numa obra sem personagens.
Fomos o verão em forma de melão num quadro de feira,
os enfeites de carnaval no funeral do papa,
a cadeira eléctrica do pai natal,
a pedinte à entrada do metro,
a sorte com o seu penteado retro.

Como todos os negócios com direito a um espaço comercial,
o nosso afecto ocupava o tempo de antena da primavera,
os bancos de cinema King, o lugar estratégico das estrelas,
o vazio da web e o mal estar das massas.
O nosso amor fazia concorrência aos gelados
e outros reguladores naturais do metabolismo.
Como a noite era branca e prudente.
Como Paris ficou tão longe, de repente.
Rima e soa barato.
Mas a literatura tem destas coisas.
Disse-o Bataille no livro sobre «a literatura e o mal».
Garanto e cito, como sempre, do original.



Golgona Anghel



sexta-feira, 23 de abril de 2010

baloiço


sentada no baloiço, permanece num estado letárgico cujo chamamento da realidade não derruba. umas mãos tocam alternadamente as suas costas para impulsionar o movimento pendular em que o seu corpo, suspenso, se deixa levar. o vento bate na cara, levanta as saias e, no entanto, esse vento atrevido parece ser o único toque que lhe agrada. entra pelos interstícios da pele e, passando a fronteira física, parece tocar-lhe a alma.
o baloiço continua a baloiçar, o vento a circular. nisto surge a vertigem de uma iminente queda. a queda não se dá, porque uns braços surgem na urgência do amparo deste corpo adormecido na dor.
olhando o baloiço vazio, vê-se a aura que lá permanece. então ela volta e ocupa o seu lugar. ela volta e quer de novo baloiçar, porque o vento que lhe chega à alma é melhor conselheiro que as palavras de consolo que a rodeiam. o silêncio daquele momento envolve-a num abraço consolador.
o baloiço parou. os seus cabelos, rasgados pelo vento, formam um penteado quase poético que combina com o seu estado de alma ascético.

ela gosta daquele baloiço, simplesmente porque não toca com os pés no chão.
Fotografia de Julia Margaret Cameron

domingo, 18 de abril de 2010

6 things I love about you and 4 things I hate


I love the way you talk to me,
and the way you cut your hair.
I love the way you drive my heart,
I love it when you stare.
I love your black leather jacket
and the way you read my mind.
I love you so much it makes me sick,
it even makes me rhyme.
I hate the way you’re always right,
I hate it when you shut up.
I love it when you make me laugh,
but I hate when you make me cry.
I hate it when you’re not around,
and the fact that you didn’t call.
But mostly I hate the way I don’t hate you,
not even close

not even a little bit

not even at all.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

amanhã


a noite deixa-me mais frágil, mais vulnerável à consciência da minha espera. o dia acabou e nada trouxe com ele. não tenho notícias tuas... como estás? por onde andas? pensas em mim? dá-me notícias. é natural que chore, todos me dizem, é natural que sinta, é incontrolável, é natural que sofra, é inevitável. o amanhã surge como a coisa mais desejada e, ao mesmo tempo, como a coisa mais temida. o desejo confina-se à esperança, o medo à perda. o amanhã é o primeiro dia da minha vida, assim chamado porque pode ser a vida ou a morte. já me sinto a tremer pelo que virá, já me sinto ansiosa pela pressa da tua presença. a espera tortura mas acalma. eu estou à espera, e estarei sempre, mesmo que tentes cessar essa espera amanhã.


amanhã, amanhã, amanhã... haverá sempre um amanhã, porque vivo a aguardá-lo.

sexta-feira, 9 de abril de 2010


«O que conta não é a manifestação do desejo, da tentativa amorosa. O que conta é o inferno da história única. Nada a substitui, nem uma segunda história. Nem a mentira. Nada. Quanto mais a provocamos, mais ela foge. Amar é amar alguém. Não há um múltiplo da vida que possa ser vivido. Todas as primeiras histórias de amor se quebram e depois é essa história que transportamos para as outras histórias. Quando se viveu um amor com alguém, fica-se marcado para sempre e depois transporta-se essa história de pessoa a pessoa. Nunca nos separamos dele. Não podemos evitar a unicidade, a fidelidade, como se fôssemos, só nós, o nosso próprio cosmo. Amar toda a gente, como proclamam algumas pessoas e os cristãos, é embuste. Essas coisas não passam de mentiras».


Marguerite Duras

quarta-feira, 31 de março de 2010

a bola de naftalina dentro do armário


pior do que limpar o pó dos bibelôs um a um, ter que tirar os livros e DVD's todos da estante para cirandar o espanador, passar a ferro roupa com rendilhados, estender na corda as minúsculas e ínfimas peças de roupa íntima, tirar os talheres lavados da máquina da louça e colocá-los cada um na sua categoria da gaveta, coser daqueles botões pequenos de camiseiro, organizar mil folhas soltas que perderam o seu rebalho... só mesmo sentir-me uma agulha no meu próprio sonho.

na nossa vida, às vezes, acabamos por ser não mais do que uma coisa pequenina, a coisa mais chata e insignificante que pode existir. somos a mosca que poisa na nossa própria cabeça.

sábado, 27 de março de 2010

migalha


sou uma migalha do teu pão.
procuro ser a tua migalha preferida.
caí sobre a mesa e sinto-me aterrorizada com a ideia de ser empurrada por uma mão maliciosa para o abismo que é o chão.

quero ser a migalha que permanece sobre a mesa, sem que a maldita limpeza a transporte para a imundície.
quero ser essa migalha afortunada que, estando sempre na tua mesa, no teu lugar, olha para ti e sonha que o pão de onde provém é o melhor que já saboreaste.

um dia a migalha que sou não vai mais estar na tua mesa, mas espero que seja porque a guardaste para ti, porque é, além das suas próprias utopias, a tua migalha preferida.

segunda-feira, 15 de março de 2010

a síntese de um segundo


um instante roubado à fluidez do tempo. uma expressão irrepetível. um flash sobre o acaso deliberado, que capta a felicidade imanente a um corpo.



Fotografia de Henri Cartier Bresson

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

farewell my concubine, Kaige Chen (1993)


Com um enquadramento histórico excepcional -revolução cultural, invasão japonesa...-, este filme chinês consegue uma brilhante história que se desvela em torno de duas personagens centrais: Dieyi e Xiaolou.
Estas duas crianças, que cresceram juntas numa instituição educativa pré-revolucionária, ver-se-ão agrilhoadas pelo então sistema chinês que convencionava toda uma rigidez disciplinar aplicada ao método de ensino. Futuros actores de Ópera Chinesa, Dieyi e Xiaolou não podiam prever o que as suas actuações revelariam: uma passagem da tragédia teatral para o palco da vida real. É no palanque onde a representação decorre que os sentimentos são mais puros, é no camarim que as lágrimas borram a maquilhagem em nome da frustração amorosa, é em tribunal que se perdem as forças perante um julgamento injusto...

Retratando um período política e socialmente atribulado, é um filme para ver e rever, de alcance estético-performativo singular na cultura chinesa. É também um suspiro pela tradicional Ópera Chinesa enquanto marca de uma cultura em decadência, um genuíno Adeus Minha Concubina...


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

os sonhadores


este mundo não é claramente para os sonhadores. as utopias já não caem em terra fértil. o ar está saturado, as mentes tolhidas.

a razão pura tomou posse do trono da fantasia. a liberdade do pensamento vê-se agrilhoada pelos medos de não se corresponder ao "pradrão" das ideias do nosso tempo. as ideias são moda, não se sentem, não são convicções. as ideias são ditados que nos fazem, são frases bonitas que se apanham no ar e se debitam sem saber o que realmente significam.

o mundo está a envelhecer. os sonhadores, esses autores no NOVO, da juventude das ideias, estão presos ao medo da sua voz.


enquanto isso,


vão escrevendo às escuras.

domingo, 24 de janeiro de 2010

lolita


Vladimir Nabokov presenteou-nos com o livro, Kubrick com o filme.
Lolita é um clássico da literatura russa que se evidenciou pelo assunto polémico que alberga no seu enredo: um professor de poesia francesa apaixona-se pela sua enteada de doze anos. a história contém um quê de psicologia erótica, um tanto de noir e um cheirinho a enigma.
Lolita parece suscitar os mais viscerais instintos do homem, com o seu savoir faire inocente e aparentemente inconsciente. é o ser que excita involuntariamente. é um "ups" constante à atenção que canaliza para si.



todas as "meninas" gostam de vestir a inocência quando à sedução se apela. todas queremos ter um pouco de Lolita.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Rear Window


o dia está a surgir. tudo se vê da minha janela: os prédios altos e uniformes onde se reflectem os primeiros raios de sol, as árvores urbanas plantadas nas ruas em estilo de ornamento, os cães que vagueiam como que à procura de um dono na solidão da manhã, os gatos que miam de fome, as crianças a entrarem pelo portão da escola, os velhos a jogarem às cartas e a "deitarem o olho" às raparigas que passam, os carros que se seguem uns aos outros e se copiam nos movimentos: o virar à esquerda, o virar à direita, o parar na passadeira... vêem-se também as paragens de autocarros apinhadas de gente que sabe o que significa a palavra "espera", as esquinas que escondem os namoros apressados, os cafés que se enchem para o primeiro manjar do dia. tudo parece ter um movimento próprio. a dinâmica dos dias é um retrato que se repete à beira da minha janela.

poisou agora um pombo no parapeito. interronpeu a minha contemplação. vou-me embora porque não gosto de pombos. fecho a portada da janela. o dia começou.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010


if only tonight we could sleep
in a bed made of flowers
if only tonight we could fall
in a deathless spell

if only tonight we could slide
into deep black water
and breathe
and breathe...

when an angel would come
with burning eyes like stars
and bury us deep
in his velvet arms

and the rain would cry
as our faces slipped away
and the rain would cry

Don't let it end.


The Cure