terça-feira, 31 de janeiro de 2012

boa noite






uma vela apagada. o pavio a libertar a última linha de fumo que desenha o verbo silenciado na alma. sussurro uma canção para me embalar e olho para a porta entreaberta, pressentindo uma chegada ilusória. já ouço os passos, já sinto o cheiro. já vejo a sombra por debaixo da porta.




quem está aí?




é o sonho a chegar, perfumado de ti, mentindo para mim.

boa noite.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

feuilles mortes



porque existe a raíz podre de uma árvore dentro de mim, às vezes deixo cair as folhas mortas. as folhas mortas caem porque a árvore é abanada pelo vento de um dia mau. um dia mau que põe à prova a árvore que vive, mesmo com a raiz podre.
não a regues, não vale a pena. segundo a ciência, ela não vai ressuscitar. e além disso, eu não acredito em milagres.
estou nua, tenho frio. preciso das folhas. das folhas mortas. a raiz pouco importa.





que dia é amanhã?

sábado, 21 de janeiro de 2012

ter




sabes,
tenho-te procurado nas histórias. tenho imaginado o teu reflexo no objectos espelhados. tenho acordado a meio da noite, pensando que te tenho ao meu lado para passar a mão pelo cabelo. tenho bebido leite frio, sentindo que tenho o coração quente. tenho falado para as estrelas, julgando que elas te levam as minhas palavras. tenho deitado menos açúcar no café, achando que a doçura dos pensamentos me satisfaz o paladar. tenho comido sopa de letras, só para escrever o teu nome na língua, mas o acento complica a tarefa. tenho afagado o gato, na ilusão de que ele partilha comigo o sentimento de solidão do apartamento. tenho ido à janela ver o rio, devolvendo-lhe o piscar de olho que ele sempre, generosamente, me dá.




tenho fumado lentamente, para que a espera seja mais traquila.

sábado, 14 de janeiro de 2012

uma carta escrita



tenho uma carta escrita nos dedos. uma carta que permanece silenciosa, que se dita nos gestos. uma carta que não sabe para onde vai. uma carta que não sabe como se escreveu. uma carta que, na busca do destinatário, percorre os meus lábios, naquele trejeito de indecisão. envio: sim ou não? enquanto a resolução não cai sobre mim, tenho uma carta escrita. uma carta escrita nas pontas dos dedos.



é para ti. vem receber um gesto da minha mão. vem ouvir uma frase da carta que tenho escrita na pele.