quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Carta ao Espírito


Querido Jean, hoje foi um dia tramado, antes de acontecer. Depois aconteceu e eu fiquei com um hematoma de felicidade no peito. Uma espécie de scarlet letter que, em vez de simbolizar a dor, expressa o júbilo interior. Eu sei que tu gostas que isto seja só cá entre nós, mas precisava de uma carta aberta para dizer aquilo que muitos te disseram, e ao qual a Ingrid Bergman ofereceu um brilho nos olhos e um sorriso nas palavras: “we love you, Jean”.
Já ouço a tua gargalhada, daí desse lugar, onde o eco se multiplica em ondas sonoras do teu humanismo.  

Até sempre,
até já.



segunda-feira, 16 de setembro de 2013

chamada livre

- olá. liguei para falar de cinema.
- em que filme deixaste hoje o coração?
- num que não fala de amor.
- e esse filme existe?
- as pessoas vêem sempre amor em tudo, por isso já não sabem distinguir as linguagens. se um filme fala do vento, logo vem a tese de que o vento aproxima os amantes. o vento é o vento, e a sua matéria é tão ou mais complexa que o amor.
- e tu, vais à procura do quê no cinema?

- de mim.



quinta-feira, 5 de setembro de 2013

hábitos adquiridos

já não bebo vodka nem leio Virginia Woolf. deixei de lavar a chávena de café: gosto de ver a linha da porção ingerida. já não acordo a meio da noite para vigiar se o peluche da cama caiu ao chão. desisti de regar a planta: a sua morte está anunciada. já não falo com gatos nem me sento no telhado. amanhã torno à leitura de Virginia Woolf (cedência exclusiva) mas não volto a beber vodka, a lavar a chávena de café, a acordar a meio da noite, a regar a planta, a falar com gatos ou sentar-me no telhado. bem… só falar com gatos. o resto mantém-se.