segunda-feira, 26 de novembro de 2012

cafés apressados


foste embora com o adeus pendurado nos lábios. a chávena vazia ecoa agora a ausência do café que consumias em pequenos tragos, falando do futuro, dos teus projetos. há cinzas em cima da mesa, sintoma do entusiasmo do discurso que te levava a falhar o cinzeiro. os sonhos colocam-te uma prega no canto dos olhos, um regozijo na pele, como os grandes planos do cinema gostam de mostrar. olha para ti, no grande ecrã: o Sonhador. todos deixam passar este filme – sala vazia -, porque não condiz com o pessimismo dos tempos… continuo aqui sentada, tributária da amizade que saiu a correr com o adeus pendurado nos lábios. o mais curioso é que nunca ouço esse adeus, mas vejo-o suspenso no vento com que sais apressado. amigo, não deixes de sonhar e diz-me adeus à despedida. até à próxima, com uma chávena cheia.
 
 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

beata


Já não sei
onde deixei
a beata do cigarro
que fumei a pensar em ti.
Queria guardá-la
conversar com ela
dizer o quanto
o fumo era palavra.
             Fumei para não dizer
             fumei para guardar segredo
             fumei para fazer
             do verbo exalação.
Não é agradável
o cheiro do tabaco
mas fumá-lo
foi estar contigo
foi um ato perfumado.
Procuro a beata
chamando por ti
posso  tê-la apagado mal
tão imersa estava
na chama
que me tomava o pensamento.
Não sei
onde deixei cair a beata.
Talvez
ela saiba guardar segredo
afinal, é só uma palavra
             mas é uma palavra
             que devora tudo.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

contas-me uma história?

Pierre-Auguste Renoir

sábado, 10 de novembro de 2012

naquele dia em que usei chapéu

havia qualquer coisa de enunciativo naquele dia em que usei o chapéu para ti. chovia, e eu não sabia que o usava para ti. saí sorrateira pela porta, como se fosse vigiada. talvez até fosse, por um deus qualquer. talvez. desci as escadas como se quisesse muito ir andar à chuva. usava o chapéu para ti, mas ignorava levemente esse propósito. só quando à noitinha me escreveste dizendo «hoje estavas muito bonita. fizeste-me pensar numa actriz de quem gosto muito, num filme de que gosto muito, a partir de um livro que...isso. que pena a humanidade ter deixado de usar chapéu»... só aí alcancei a minha intenção dissimulada. naquele dia, quis ser toda a humanidade, todos os tempos… para ti. cabia tudo no meu chapéu.