Há muito tempo que não ia a uma matinée
na Cinemateca. Não me peçam para explicar o que é muito tempo. O meu calendário emocional diz-me que passou uma
grande temporada e eu só posso confirmar. Hoje lá cheguei, sozinha, levantei o
bilhete e sentei-me a ler antes da sessão. Ali perto estavam as mesmas cabeças
grisalhas de sempre e outros desconhecidos navegantes, que também aguardavam
serenamente o culto, uns a ler o
jornal e outros a dormitar. Pensei cá para mim, as saudades que eu tinha disto.
Atravessou-me uma deliciosa sensação de estar contracorrente. Imaginei todas as
pessoas que naquela altura, em início de tarde, estavam fechadas num escritório entre papelada e
barulho. Senti-me de repente mais nova, no coração daquele outro tempo em que
passava dias inteiros na Cinemateca, com comida dentro da mala e uns livros
para acompanhar o café entre as sessões… Não sei dizer o quanto fui feliz neste desrespeito pelo horário laboral dos outros, e não quero maçar ninguém com sentimentalismos. Mas curioso
é que, no filme, um noir – Strange Impersonation, de Anthony Mann – a protagonista
toma outra identidade. Sem forçar o paralelismo: também eu saí da minha pele por umas horas, e foi reconfortante.
Strange Impersonation (1946), Anthony Mann |