terça-feira, 17 de agosto de 2010

anda por aí uma borboleta chamada certeza.


como é fugaz a nossa certeza das coisas. eu não percebo, aliás, como chegamos a ter certezas. apanhamos a certeza como quem apanha uma borboleta e a guarda religiosamente entre as mãos côncavas. ela faz-nos cócegas com as asas, mas não a soltamos porque queremos guardá-la para nós. temos a certeza nas mãos. ela sossega as suas asas e pousa na mão que é a base. a mão que está por cima é levantada cuidadosamente, como um concha que se abre... a certeza continua lá: bela e serena, quase com um vislumbre de eternidade. num repente, a certeza voa.




vejo-a lá ao fundo, sendo apanhada por outras mãos ávidas de...






(fotografia: Sommarlek, Bergman)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

finjo que leio o jornal


pintei, com os olhos, uma andorinha no céu, uma nuvem branquinha e fofinha, e um avião longínquo a desenhar um coração com o seu rasto; na calçada, uma pastilha fresca, acabada de saltar da boca à força de um cuspo, uns sapatos cor-de-rosa choque, um livro caído de umas "mãos rotas", e uma moeda resvalada de um bolso descuidado. pintei ainda, no ar, uma borboleta para ornamentar o meu estado vegetal à procura do preenchimento do pequeno mundo onde existo no aqui e agora. sou um mármore que imagina e reproduz no vazio toda a força de um pensamento que vive debaixo da pedra. finjo que leio o jornal.


o céu hoje está demasiado limpo.
a calçada demasiado monótona.
o ar respirável demais.
é o tédio que passeia pela rua. lá vai ele emproado e vaporoso...


desci à realidade.

please, bring me flowers. bring me a new day.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

praia


fala-me daquela nuvem.
fala-me do voo daquela gaivota.
fala-me da onda que rebentou agora e que deixou a areia fazê-la em espuma.
fala-me do barco lá ao fundo da linha do mar.
fala-me do sol que nos beija a pele.
fala-me do meu biquini. gostas?
fala-me do castelo que estou a construir.
fala-me dos meus olhos franzidos sem os óculos de sol.
fala-me do gelado que está a derreter na tua mão.
fala-me do abraço salgado que te quero dar...


(nestas palavras fui à praia e voltei.
é da maneira que lá pus o "pés".)
Fotografia do filme "Climas"

terça-feira, 3 de agosto de 2010

sacralidade estética


A estética é tão volátil, indefinível, relativa e, por isso, tão desconcertante. Oscar Wilde mostrou sublimemente n'O Retrato de Dorian Gray como o conceito de Arte pode prescrever a nossa existência. Subsistem na consciência humana inúmeras formas de retratar a vida. A tela não parece estar completa até que aquilo que idealizámos esteja perfeita e harmoniosamente posicionado nesse espaço concedido. Quem diz uma tela, diz um palco igualmente. Esta é a urgência de uma arte que serve o próprio hedonismo estético: só morrerei na consciência de uma morte tragicamente bela, em que a minha mão decai sobre a maçã do meu rosto numa auto-carícia... Este é um exemplo de "obra de arte".
A Beleza é genial, já dizia o mesmo autor. No seu esteticismo revestido de uma sensibilidade singular soube identificar a mística ontologia da Beleza, encarnou-a numa tirana que parece levar a morte às almas mais puras. Dorian Gray morreu pelo veneno da sua própria beleza. O hedonismo extremo tomou posse das suas acções que se impulsionaram para o imediatismo do princípio estético. O medo da efemeridade da sua juventude ocupou toda a sua moral, ditou as leis da perseguição a si próprio.
Muitas e muitas versões se podem fazer deste pensamento tão profundo de Oscar Wilde. ele é imortal e não pertence a uma época. É nosso. Tão simplesmente nosso - do Ser Humano.


«a Beleza é uma forma de Génio - na verdade está acima do Génio, pois não precisa de explicação. É um dos grandes factos do mundo (...) não pode ser posta em dúvida. Tem um direito divino de soberania. Torna príncipes aqueles que a possuem». OW



Sejamos sempre príncipes e princesas da nossa Alma. A beleza reside na própria invisibilidade, procuremos apenas o manto que esconde a tela perfeita da Beleza Humana.

Não se deixem morrer sem ler este livro, a sua beleza deixou sem explicação qualquer movimento dito saudável das minhas ideias.