Lembro-me das tardes sem horas, quando no ar se sentia o aroma a princípio. Primavera. Ressurreição. E lembro-me de,
em vez de flores, colher ervas para colocar dentro de uma jarra. Queria dar-lhes um contexto aristocrático (assim considerava o meu quarto),
mesmo que andasse enredada em pensamentos contra quaisquer manifestações de nobreza.
Queria permitir que essas ervas passassem de bolcheviques do quintal a czares
de uma secretária cheia de livros com lombada velha: ideia contraditória com as
publicações do meu pai que a ornamentavam. Entre calhamaços de História e
romances clássicos, os panfletos de folha amarelada eram os meus preferidos. Pelo
menos nessa Páscoa. Democracia burguesa e
ditadura do proletariado, de Lenine, ou Catecismo
do Trabalhador, de Paul Lafargue. Divertia-me a ler coisas que não tinha
idade para compreender, mas que sabia dizerem algo sobre os interesses daquele
a quem tinham pertencido. Lembro-me de não dar pelas horas
que passava entre o “capital” de que
se falava nesses livrinhos e fatias de folar. Acima de tudo, lembro-me do cheiro a princípio
que andava no ar, e do outro a antigo que emanava das folhas. E lembro-me das
ervas que, na jarra, me pareciam mais belas do que as flores. Ali, descontextualizadas.
Por essa altura também, já apreciava a feliz anarquia de Michel Simon. O
cinema que a observava.
Isto tudo assim, de uma vez. Eterna Primavera.
Isto tudo assim, de uma vez. Eterna Primavera.
Le vieil homme et l'enfant (1967), Claude Berri |