terça-feira, 3 de abril de 2012

teclado(s)


«Uma parte do trabalho era inconsciente, pensava, crescia de noite dentro dela. De repente conseguia sem esforço o que antes lhe parecera impossível. O momento em que, como se tivesse ganho balanço oscilando para cá e para lá sobre uma corda tensa, se lançava sem rede. Como fizera (tinha a certeza) o autor da partitura. Ela refazia o seu voo. Experimentando a mesma sensação embriagante de soltar-se.
Não era o olhar do público que segurava a trapezista, há muito que sabia. Agora sorria ao lembrar-se de que pensava isso, com terror, anos atrás. Tudo se passava unicamente entre a mulher e a corda do baloiço onde oscilava. A vida e a morte dependiam do acordo entre ambos: da harmonia entre o corpo e a corda.
Também entre ela e o teclado (as cordas percutidas do teclado) havia no fundo a mesma ligação. Ela sabia. (...)»
Os teclados, Teolinda Gersão
(pintura: Renoir)

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