quinta-feira, 9 de outubro de 2014

música nos sapatos

fui ouvir Mussorgsky e Tchaikovsky à Gulbenkian. Uma noite no monte calvo e Canções e danças da morte (versões orquestradas), do primeiro; O lago dos Cisnes, do segundo. clássicos dos clássicos, trevas sonoras sucedidas de ventos primaveris. não em jeito de desfaçatez, passei o tempo todo a olhar para os sapatos dos senhores e senhoras da orquestra - talvez uma infantilidade, mas não desfaçatez. e neste acto genuíno de contemplação, dei comigo a entrar num profundo enlevo com os movimentos dos pés de quem doma os instrumentos. cada um tinha posições diferentes, uma forma de se equilibrar única. percebi então que a música está muito “agarrada ao chão”, que os pés são um sensor de estímulos - a nota sai mais assim ou assado se o pé tomar esta ou aquela posição... pronto, já estou a exagerar, claro, e além disso não percebo nada de música. mas a verdade é que esta noite tudo me soou mais cavernoso, mais denso, como a terra a tremer. desmistificando um pouco: estava sentada na primeira fila. 
no final, quando subi os olhos ao céu, que é como quem diz, ao nível dos instrumentos, vi a corda solta de um dos violinos, a bailar na luz quente do palco, enquanto se lhe pedia um último labor para o tchanaaam. nisto, pensei apenas, “uau, a terra tremeu mesmo”. aplausos.


Das Schiff der verlorenen Menschen, Maurice Tourneur (1929)

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