«Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.» Rimbaud
quinta-feira, 19 de março de 2015
Encontro
Meu pai perdi no tempo e ganho em sonho.
Se a noite me atribui poder de fuga,
sinto logo meu pai e nele ponho
o olhar, lendo-lhe a face, ruga a ruga.
Está morto, que importa? Inda madrugada
e seu rosto, nem triste nem risonho,
é o rosto, antigo, o mesmo. E não enxuga
suor algum, na calma de meu sonho.
Ó meu pai arquiteto e fazendeiro!
Faz casas de silêncio, e suas roças
de cinza estão maduras, orvalhadas
por um rio que corre o tempo inteiro,
e corre além do tempo, enquanto as nossas
murcham num sopro fontes represadas.
(in Claro Enigma, Carlos Drummond de Andrade)
sonho sempre que ele vive, desde que mudou de morada, num vale imensamente verde.
How Green Was My Valey (1941), John Ford
domingo, 15 de março de 2015
home
(The Birth of a Nation, D. W. Griffith)
letra: John Howard Payne (1823)
música: Henry Bishop
sábado, 7 de março de 2015
o som dos Maltesers a derreter no palato ou a ciência de um prazer
aconchego um Malteser
entre o pico da concavidade do céu
da boca (perdão – do céu palatino)
e da língua mole.
para não acelerar o processo
de erosão enzimática,
suspendo o movimento
do maxilar.
pausa.
um crepúsculo de
chocolate derrete como
a cera das velas fundidas
numa superfície plana, converte-se num
manto de sabor, e desse quase
nada procede o ruído
da morte esfumada da bolacha
de dentro – sulcada que
nem um queijo suíço –,
comovida
pelo regozijo desta
boca triste (será o ruído
do pavio a dissipar-se?).
quero mais um Malteser
e outro
e outro...
o pacote inteiro.
porque, já dizia Márai,
as velas ardem até ao fim.
e eu não sei escrever
poesia. por isso, escuto o som
dos Maltesers a derreter
no palato.
The Golden Rush (1925), Charles Chaplin
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