Paris, Texas (1984), Wim Wenders |
Sempre me fascinou esta coisa dos
vidros e janelas. O jogo do olhar e da imaginação. Um deixar ver que também esconde,
um definir de papéis, quem observa e quem é observado. Quando ando pela rua, tenho uma
tendência incauta para olhar as janelas dos prédios. Às vezes vislumbro
gatos no parapeito, faço uns estalidos com a boca para chamar os bichanos, mas
eles ficam com o mesmo ar impassível no seu altivo descanso. Outras vejo apenas
um candeeiro ou quadros na parede, sem vivalma numa ampla sala que se adivinha
no ângulo de visão, e outras ainda a senhora da limpeza que corre o vidro pelo
caixilho, para sacudir um tapete ou o espanador. Isto acontece de manhã, quando
o dia ainda não deixou cicatrizes. Ao fim da tarde, gosto (e já o escrevi aqui)
de observar as primeiras luzes que se acendem no interior dos apartamentos. Uma
luminosidade baixa, que sara as feridas de cada dia. Ponho-me a imaginar as
histórias possíveis, no reflexo dessas janelas (até penso se os vidros são duplos,
porque está frio e zelo pelo conforto dos desconhecidos). Imagino cada um
destes rectângulos envidraçados como grandes telas. O cinema.
Hoje revi o Paris, Texas. Mais uma vez senti a síndrome do vidro. Aquela cena
da cabine, em que ele pode vê-la, jovem e bela, mas ela ignora o rosto por detrás da vidraça (e
da voz). Ele conta-lhe uma história, e ela converte-se num reflexo das
palavras. Mais tarde, ele observa a janela para a qual escreveu a conclusão
dessa história, um reencontro. Tão bonito.
O número do quarto é o 1520. Meridian hotel.
O número do quarto é o 1520. Meridian hotel.
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