ouso escrever sobre o nevoeiro, o
mistério que exala das águas do rio, como o vapor da panela de sopa a cozer. coze-se
o dia de amanhã, o devir. está ali, entre as reticências da bruma (gosto da
palavra Bruma, quase parece o nome de
uma pessoa, daqueles que vêm escritos nos olhos). para a receita de amanhã, sei
que a tal hora tenho isto marcado, e mais à tarde devo ir àquele sítio e aqueloutro.
mas olho para o nevoeiro e penso: que mistérios, que acasos fermentam nas águas
do rio, contra a matemática da agenda diária? para lá da bruma, está o objeto
da minha escrita, o que não sei, o
que tenho conservado no livrinho das espectativas, o que permanece no item da possibilidade, justamente aquilo sobre o qual não posso escrever
factualmente. sou da especulação verbal sobre o não acontecido, mas não o
enumero, prefiro deixar que a vivência do nevoeiro me exalte no espírito a
pergunta: o que foi que me esqueci de agendar para amanhã? deliciosa ignorância.
o privilégio de conviver muitas vezes com uma parede nebulosa em frente à janela.
William Turner, Storm Clouds
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