segunda-feira, 16 de junho de 2014

gentil angústia

não somos nós que escrevemos, é o nosso ânimo que, tirando os dedos da inércia, escreve - quando a escrita é um acto de liberdade. escrevo espontaneamente através de sensações (geralmente extremas): ou quando sou muito feliz ou quando preciso de procurar a razão para um estado de tristeza, definir a palpabilidade da dor, e assim proteger/defender-me dela. é uma atitude feminina, que alguns bons homens também têm. dela nasceram grandes escritos e escritores, por isso, não é banal, faz parte do artifício (de arte) humano. mas eu não tenho arte, e uso-me de ferramentas toscas: do geral para o concreto, faço um inventário de possibilidades e, relativizando, nego a todas o protagonismo. no fim, ‘está tudo bem’, digo, ‘olha ali o sol’, e tento fazer uma cama para dormir sobre o assunto. mas algo insiste em permanecer colado à pele  (além deste calor abrasador), como aquela Angústia que traduz para português La Peau Douce, ou a «gentil angústia» de que um crítico de cinema falava, há não muito tempo, a propósito dos filmes de Bergman. o cinema leva-nos sempre ao encontro da linguagem da pele. nele descubro as minhas respostas, e algum conforto no peito. esta é a cama onde me deito.


[maldito espelho da casa de banho, que não me deixa lavar as mãos sem de seguida examinar a profundidade das olheiras.] 



La Peau Douce, François Truffaut

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