sexta-feira, 1 de agosto de 2014

a arte de descrever uma mulher

«Sentavas-te, silenciosa, entre os velhos, rodeada de madeiras escuras, e, inclinada para a frente, oferecendo apenas a tua cabeleira ao círculo dourado dos candeeiros, reinavas, coroada de luz. Parecias-nos eterna por estares tão bem ligada às coisas, tão segura das coisas, dos teus pensamentos, do teu futuro. Reinavas...
 Contudo, nós queríamos saber se era possível fazer-te sofrer. Estreitar-te nos braços até te sufocar, porque sentíamos em ti uma presença humana que ansiávamos trazer à luz do dia. Uma ternura, uma tristeza que queríamos fazer-te subir aos olhos. E Bernis abraçava-te e tu coravas. E Bernis apertava-te com mais força e os teus  olhos ficavam brilhantes de lágrimas sem que os teus lábios se deformassem, como os das velhas quando choram, e Bernis dizia-me que aquelas lágrimas vinham de um coração a transbordar, e que eram mais preciosas do que diamantes, e que aquele que as bebesse seria imortal. Dizia-me também que habitavas o teu corpo, como aquela fada sob as águas, e que ele sabia mil sortilégios para te trazer à superfície, e que o mais seguro era fazer-te chorar. Era assim que te roubávamos amor. Mas quando te largávamos tu rias, e esse riso enchia-nos de confusão. Assim uma ave, se a apertamos com menos força, voa para longe. 
(...)
"Lê-nos um poema."
 Tu lias e, para nós, eram ensinamentos sobre o mundo, que não nos vinham do poeta, mas sim da tua sabedoria. E os infortúnios dos amantes e os choros das rainhas tornavam-se grandes coisas tranquilas. Morria-se de amor com tanta calma, na tua voz...»


Correio do Sul, Antoine de Saint-Exupéry



(Charulata, Satyajit Ray)

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